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Decifre o crédito rotativo antes que ele o devore.

Guarulhos, 05 de novembro de 2001

A praga que come o usuário de cartões de crédito pela perna chama-se crédito rotativo. Como muitos conceitos do mundo financeiro, esse também escapa à compreensão dos comuns mortais. Essa modalidade de crédito, segundo o advogado Otto Steiner, especialista em mercado financeiro, existe no mundo inteiro. Mas em nenhum lugar é tão letal quanto no Brasil. Por isso decifre-o.

Quem faz compras com o dinheiro de plástico e no dia do vencimento da fatura descobre que gastou mais do que seu bolso comporta pode pagar um percentual da dívida e rolar o restante para pagar lá adiante.

É sobre esse pedaço do débito que começará a incidir juros que, no eufemismo das administradores de cartões, é chamado de “encargos incidentes”. O problema é que a taxa de juro não é definida de acordo com o tamanho do “papagaio”, o prazo para quitação ou o risco de calote de cada cliente.

De acordo com o conceito de crédito rotativo, a partir do momento em que o consumidor adquire um cartão e é definido o valor do seu limite de crédito, o “empréstimo” está a sua disposição.

“A administradora do cartão não sabe quando ele irá usar o crédito e qual será o valor que ele irá rolar por isso considera que o dinheiro já está à sua disposição, e a taxa de juro é calculada sobre o total do limite de crédito”, explica Steiner.

Como as administradoras de cartões não são consideradas, legalmente, instituições financeiras, elas têm de captar no mercado o dinheiro com o qual financiarão o cliente. Diz Steiner que isso é feito desde que é aprovado o limite de crédito, na emissão do cartão. A taxa de juro é calculada desde esse momento e por tempo ilimitado. “Por isso o juro do crédito rotativo é o mais alto do mercado.”

Steiner diz que o que ajuda a catapultar o juro é a cobrança, feita pelas administradoras, de uma taxa de 2% chamada “del credere”, que é a taxa de risco de crédito da pessoa física.

Descobrir como é formada a taxa de juro sobre o crédito concedido pelo cartão é a grande batalha dos consumidores. A Anucc (Associação Nacional dos Usuários de Cartões de Crédito) tem pleiteado na Justiça a mudança da chamada “cláusula de mandato” dos contratos dos cartões, pela qual o cliente autoriza a administradora a captar dinheiro no mercado em seu nome para financiar suas compras.

“Queremos saber a que taxas de juros a administradora toma recursos no mercado, por quanto os repassa ao cliente e qual seu lucro”, diz Kássia Corrêa, presidente da Anucc.

Esse é um mistério duro de desvendar. As administradoras não divulgam tais informações e, quando chamadas aos tribunais ou aos Procons, rapidamente, fazem acordos com os clientes.

Segundo Alexandre Costa Oliveira, técnico da área de assuntos financeiros do Procon/SP, elas alegam que nos “encargos” cobrados no crédito rotativo nem tudo é juro. “Mas não informam a taxa e, em juízo, não discutem para não ter de provar a composição desses encargos. Dão desconto, parcelam pagamentos, tudo para evitar criar uma jurisprudência sobre o assunto”, diz Oliveira.