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Inadimplência não é desistência

Guarulhos, 10 de junho de 2002

arteA suspensão de qualquer tipo de serviço só pode ser feita com consentimento do cliente. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a rescisão de contrato não pode ser unilateral. E, como a inadimplência não representa a desistência do produto, o fornecedor deve sempre enviar um aviso ao consumidor informando do débito e oferecendo prazo para o contato com a empresa ou o pagamento da dívida.

– O cancelamento ou bloqueio dos serviços por inadimplência só pode ser feito depois de notificação. Mesmo que o consumidor tenha assinado contrato com cláusula sobre cancelamento automático por falta de pagamento, a empresa pode ser acionada na Justiça – explica Maria Inês Dolci, coordenadora de atendimento ao associado da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Pro Teste.

Diretor da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, da Vida e dos Direitos Civis (Adcon), David Nigri lembra que o artigo 1.056 do Código Civil prevê que qualquer contrato deve ser precedido de aviso para ser rescindido. E, mesmo assim, seu cancelamento pode resultar em ações por perdas e danos, especialmente se o corte for de serviços essenciais. “A falta de aviso prévio é uma forma de cobrança indireta, constrangedora e fora do direito constitucional de defesa”, afirma Nigri.

Extravio

A jornalista Andrea Santos ficou, no mês passado, sem energia elétrica por três dias. Andrea havia pago a conta referente a maio deste ano e pedido pela Internet a segunda via da conta de abril, que foi extraviada. “Para minha surpresa, tive a energia cortada enquanto aguardava a conta chegar para pagá-la. Depois de ter reclamado muito e ouvido apenas palavras automáticas e burocráticas, paguei a conta de abril e ainda fiquei 53 horas aguardando o religamento, embora o prazo máximo seja de 48 horas”, conta.

O Código de Defesa do Consumidor também garante ao consumidor a obrigatoriedade de ser previamente avisado sobre o cancelamento de serviço essencial. “Água, luz e gás são serviços essenciais. Telefone depende da interpretação de cada juiz”, explica Nigri. Mas, conforme a resolução 85 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a operadora telefônica só pode desligar a linha do cliente após 30 dias de inadimplência. E, além disso, a empresa deve informar ao assinante com 15 dias de antecedência a suspensão total do serviço.

Não foi o que aconteceu, no entanto, com a universitária Fernanda dos Santos, que teve sua linha bloqueada três vezes sem um único aviso. “Viajei e atrasei o pagamento de duas contas. Quando voltei, fui à Telemar, parcelei os débitos e paguei 50% do valor para que o telefone fosse religado. Duas semanas depois voltaram a bloquear a linha. Fui novamente à Telemar, comprovei o pagamento e o telefone foi religado. Mais duas semanas e a empresa voltou a bloquear a linha”, conta Fernanda, que não titubeou: entrou com ação no Juizado de Pequenas Causas contra a empresa.

Distração

A vendedora Marli Pereira da Silva também foi pega de surpresa pelo bloqueio de sua linha telefônica. “Sou muito distraída. Achei que tivesse pago a conta e não me preocupei. Depois de um mês de atraso bloquearam o número para efetuar ligações. Foi justamente no dia que recebia os pais de meu namorado para jantar. Passei muito constrangimento ao ligar para reclamar e informarem que a conta não tinha sido paga. Se eu tivesse recebido um aviso isso não teria acontecido”, reclama Marli.

Como Marli, a secretária Regina Andrade deixou de efetuar o pagamento das mensalidades do seguro do seu carro à Itaú Seguros por causa da ausência de notificação. “Paguei a primeira parcela do seguro e não recebi nem a apólice nem o carnê de pagamento. Não paguei porque achei que estivesse com a corretora, que me atende há mais de quatro anos, e ela, por sua vez, acreditava que eu tinha recebido, uma vez que havia me repassado o documento pelo Correio. Quando me dei conta, dois meses depois, estava sem pagar as mensalidades e não tinham recebido qualquer aviso de cobrança”, conta.

O seguro foi cancelado e Regina está tendo que resolver a questão judicialmente. “Se eu tivesse recebido o aviso da seguradora, por carta ou telefone, teria pago o que devo. Não paguei simplesmente porque houve um mal entendido”, diz.

FIQUE ATENTO

>> Inadimplência não representa a desistência do produto.

>> De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a rescisão do contrato não pode ser unilateral.

>> O fornecedor deve enviar aviso ao consumidor informando do débito e oferecendo prazo para o contato com a empresa ou o pagamento da dívida.

>> O cancelamento ou bloqueio dos serviços por inadimplência só pode ser feito depois de notificação.

>> Cláusulas sobre cancelamento automático por falta de pagamento são passíveis de processos judiciais.

Sonilda Lima