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A Paixão de Cristo: polêmico e sofrido

Guarulhos, 19 de março de 2004

ArteO diretor e produtor do filme A Paixão de Cristo, o ator Mel Gibson, justificou dessa maneira a sua polêmica produção: “Minha intenção com esse filme era criar uma obra de arte duradoura e estimular idéias e reflexões sérias entre platéias diversas e com formações diferentes”. E completa: “Minha grande esperança é que a mensagem de tremenda coragem e sacrifício dessa história possa inspirar tolerância, amor e perdão. Nós estamos precisando mesmo dessas coisas no mundo de hoje”.

Se tudo isso era o principal objetivo, Gibson conseguiu. Seu filme acabou criando muita polêmica, tanto para alguns católicos, que acharam o filme forte, como para os judeus, que se sentiram humilhados por novamente serem acusados de matar Cristo.

Particularmente, acho isso tudo uma bobagem. O filme nada mais é do que uma grande encenação do que acontece na Semana Santa em todo o Mundo, igual, por exemplo, àquela realizada em Nova Jerusalém, no nordeste do Brasil, que atrai uma multidão. Só que essa “Paixão” de Mel Gibson é muito mais superior.

As últimas dozes horas da vida de Cristo na Terra são mostradas por Gibson com extrema sensibilidade. O ator/diretor consegue transformar A Paixão de Cristo realmente num ato de reflexão e sofrimento que, quem tiver um pouco de conhecimento dessa parte da história de Cristo realmente vai ficar de boca aberta.

A partir de relatos da Paixão baseados nos quatro evangelhos bíblicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, Gibson segue “ao pé da letra” tudo o que foi escrito, inclusive com o visual que, por uma exigência de Gibson, teria que ser parecido com o dos quadros do pintor barroco italiano Caravaggio, cujas imagens são famosas por possuírem um brilho quase real a partir dos contrastes entre luz e sombra.

Aliás, visual e atores lembram muito o filme de Pier Paolo Pasolini, “O Evangelho Segundo São Mateus”, que apresentava um elenco formado completamente por amadores, um estilo naturalista e uma linguagem tirada diretamente da Bíblia.

Assim é o filme de Gibson. Os atores não são bonitos e atléticos, como estamos acostumados a ver em grandes produções como “Os Dez Mandamentos” e “A Maior História de Todos os Tempos”, que mostravam sets luxuosos e elenco de “milhares” de estrelas. Os atores do filme de Gibson, a maioria italianos, são naturais e rústicos.

Além do visual e atores diferenciados, uma grande “sacada” de Gibson foi fazer com que todos os personagens do filme falassem as línguas que seriam faladas na época em que o filme se passa. Assim, o aramaico foi usado pelos personagens judaicos, incluindo Cristo e seus discípulos, e o “latim coloquial” pelos romanos. Com isso, conseguiu tirar a “cara” de produção americana que poderia ter, e ser o mais original possível.

Os atores principais estão perfeitos. James Caviezel, de “Além da Linha Vermelha”, está ótimo como Jesus, apesar de passar o filme inteiro praticamente desfigurado, e a atriz romena de teatro Maia Morgenstern está perfeita como Maria, mãe de Jesus. Sem falar quase nada, ela apenas usa as expressões para mostrar seu sofrimento diante de tudo o que está acontecendo.

Vale destacar a presença da italiana Mônica Bellucci, a deusa cibernética Persephone de “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions” que, infelizmente, não se sobressai muito, mas cumpre regularmente seu papel de Maria Madalena.

A história

O grande problema do filme, que é importante destacar, é que, para assisti-lo e estar mais envolvido é preciso conhecer um pouco da história, principalmente algumas passagens da Paixão de Cristo. Ou seja, saber que Cristo foi recebido em Jerusalém com festa, o surgimento de Madalena, da passagem do lavapés, da última ceia e da traição de Judas, entre outras, pois tudo isso é colocado no filme em “flashback”, muito rápido, apenas é um registro, inclusive a passagem da ressurreição.

A trama do filme começa no Jardim das Oliveiras, onde Jesus vai rezar após a última ceia. Lá, ele resiste às tentações de Satanás, mas é traído por Judas Iscariotes. Preso, Jesus é levado de volta para dentro dos muros da cidade de Jerusalém, onde os líderes dos fariseus o confrontam com acusações de blasfêmia e seu julgamento termina com uma condenação à morte.

Jesus é levado diante de Pilatos, governador romano da Palestina, que percebendo que enfrenta um conflito político, transfere a responsabilidade da decisão para o Rei Herodes. Este devolve Jesus a Pilotos que propõe à multidão a escolha entre Jesus e o criminoso Barrabás. A multidão escolhe pela liberdade de Barrabás e condena Jesus.

Ainda indeciso, Pilatos ordenara que Jesus seja chicoteado até quase a morte pelos soldados romanos. Humilhado e açoitado, Jesus é levado mais uma vez a Pilatos, que diante da insistência da multidão em crucificar Jesus, decide lavar as mãos do dilema por inteiro e ordena que seus homens façam o que a multidão pede.

Assim, Jesus carrega sua cruz até fora de Jerusalém e, no alto de um morro, é crucificado, juntamente com dois ladrões.

Desde o começo do filme, quando é preso, até a sua morte na cruz, acompanhamos o sofrimento e a dor de Jesus e a angústia de sua mãe Maria. Tudo é sofrido e doloroso, não há tempo para respirar e descansar. Dá a impressão que estamos lá, dentro do cenário, acompanhando todo o martírio de Jesus. O excesso do uso da câmera lenta e a trilha sonora perfeitos, acentuam o drama.

Um grande mérito de Mel Gibson, católico devoto que soube retratar com fidelidade os último momentos desse personagem que até hoje gera polêmica, mas que possui muitos e muitos seguidores, divididos em várias religiões.

Vale a pena assistir o filme? Sim, seja por curiosidade, por religião, por polêmica ou por distração. Talvez alguns achem que é um filme de mau gosto, que não atrai em nada, mas uma coisa é certa: em poucas vezes o flagelo, a dor e sofrimento foram tão bem caracterizados como em “A Paixão de Cristo”.