O Santo Padre voltou para a casa do Pai
O velório do papa João Paulo II, na basílica de São Pedro, deverá permanecer aberto ao público por, pelo menos, três dias.
Quinze horas depois de o arcebispo Leonardo Sandri aparecer à frente da multidão na Praça São Pedro e anunciar “Nosso Santo Padre João Paulo voltou para a casa do Pai”, o corpo do pontífice foi colocado em exposição. Com vestimenta carmesim e branca e um chapéu tradicional de bispo, ele foi colocado em um altar na sala de afrescos do Vaticano.
A face do papa parecia ao mesmo tempo serena e dolorida, mostrando claramente os sinais do sofrimento físico que o atingiu nos últimas dias de vida. Assessores pessoais, cardeais, bispos, freiras, dignatários e funcionários do Vaticano passaram na frente do homem a quem serviram e amaram durante mais de um quarto de século.
A cabeça do papa está encostada em travesseiros e sua cruz de prata pastoral posicionada sobre o braço. Um rosário de madeira foi colocado em suas mãos. O corpo foi abençoado com água benta e será levado para a Basílica de São Pedro para visitação pública por volta das 17h de hoje (12h de Brasília).
Praça de São Pedro – As palavras do papa João Paulo 2º soaram na Praça de São Pedro, onde milhares de fiéis do mundo inteiro se reuniram para uma missa ontem. Algumas pessoas choraram quando um arcebispo começou a ler uma declaração que o papa preparou para a missa regular de domingo, concentrada na esperança que os cristãos colocam na morte de Jesus e na ressurreição. “Para toda a humanidade, que hoje parece tão perdida e dominada pelo poder do mal, egoísmo e medo, nosso Senhor ressuscitado nos dá seu amor que perdoa, reconcilia e reabre a alma para a esperança”, dizia a mensagem.
“Eu o vi… ele morreu com a serenidade dos santos”, disse o cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano, que presidiu a missa. Na homilia preparada para a missa, Sodano chamou o papa de “João Paulo 2º, ou melhor, João Paulo o Grande”, unindo-se a outros homens da igreja que sugeriram o título ao pontífice polonês, que rompeu diversos recordes em 26 anos de papado.
Funerais – O Vaticano, Roma e o próprio governo da Itália se preparam para receber aproximadamente 2 milhões de pessoas, a partir de hoje, que irão prestar as últimas homenagens ao papa. O Vaticano não comenta os preparativos e protocolos que serão organizados para o enterro por uma questão de “ética” mas já confirmou alguns atos dos ritos fúnebres de João Paulo II. A primeira congregação geral de cardeais se reúne hoje às 10h (5h de Brasília) no Palácio Apostólico do Vaticano para preparar o funeral solene, que não acontecerá antes de quinta-feira, dia 7 de abril.
O velório na Basílica de São Pedro deverá permanecer aberto ao público por, pelo menos, três dias. Ainda hoje o Vaticano deve confirmar a data exata do funeral solene. A segunda-feira, dia 11 de abril, é o último dos nove dias de luto decretados pelo Vaticano. O domingo, dia 17, marca o início do período de cinco dias em que pode ser convocado o conclave que elegerá o novo papa.
Causa da morte – O papa João Paulo II morreu de choque séptico e de falência cardíaca, segundo o atestado de óbito assinado pelo médico pessoal do pontífice. “Eu certifico que sua Santidade João Paulo II morreu às 21h37 (horário local, 16h37 no horário de Brasília) de 2 de abril de 2005, em seu apartamento no Palácio Apostólico do Vaticano, de choque séptico e falência cardiocirculatória irreversível”, informou o atestado.
Como há de ser para todos nós, para o papa João Paulo II acaba de chegar a “indesejável das gentes”, como duramente dizia Manuel Bandeira, ou “a nossa irmã morte”, como docemente cantava São Francisco de Assis. Os católicos – para ser mais exato, o mundo inteiro – aguardaram essa notícia inexorável, embora sempre adiada para a surpresa e o alívio de todos quantos ele evangelicamente seduziu, durante muitos, longos e dificílimos anos. Na linguagem religiosa, a Igreja nos ensina que “sua vida não foi tirada, mas transformada, e se lhe é destruída a morada desta habitação terrestre, está-lhe preparada nos céus uma habitação eterna, brilhando para ele a luz da feliz ressurreição”.
Permanece a fé – Jamais escondida por qualquer ideologia – de que, pelos misteriosos caminhos de Deus, esse Santo Padre continuará vivo. Não foi o que escreveu Walter Benjamin: “viver não é somente existir”? O sucessor do pescador Céfas-Pedro, a quem Jesus confiou a guia do seu minúsculo rebanho, deixou para a posteridade um exemplo luminoso e de impressionante robustez. Quanto mais frágil fisicamente, mais se avultava a estatura moral. Não desperdiçou um minuto sequer para a superação das diversas formas de opressão, para o diálogo, promoção da paz, as mais exigentes propostas de vida para os jovens, o intermitente testemunho de um convívio com a transcendência.
“Servus servorum Dei” (Servo dos servos de Deus), o título que mais convém a um papa. A expressão vem de Gregório Magno, no século VI.
Que serviço pode prestar a Igreja? Um santo espanhol, Domingos de Guzmán, na velho século XIII, sintetizou qual o serviço que se deve esperar da Igreja: “negotium fidei et pacis” (um empreendimento de fé e de paz). Da Igreja se supõe, mas não se deve esperar necessariamente as competências de ordem terrena. João Paulo II, efetivamente e durante 27 anos, contagiou o mundo com uma ação de ordem política e social. Ninguém há de negar-lhe esse mérito. Mas ele não saiu da rota que lhe foi traçada pelo carpinteiro Jesus de Nazaré.
João Paulo II, pela consistência da sua vigorosa fé e pela entrega total de sua vida de homem e de pastor, num nível que atinge as fímbrias do heroísmo, foi um verdadeiro servo da fé e da paz.
Domingos Zamagna é jornalista e professor de Filosofia.