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Alca pode ser “moeda de negociação” do Brasil com EUA

Guarulhos, 07 de março de 2002

O governo brasileiro deverá se valer da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) como meio para negociar com os Estados Unidos a maior flexibilização das medidas de salvaguardas, adotadas para proteger seu setor siderúrgico. Essa disposição antecipa a tendência de do Brasil adotar uma maior rigidez em questões de interesse dos Estados Unidos na Alca, com o objetivo de garantir maiores vantagens aos exportadores brasileiros de aço, que foram atingidos de forma parcial pelas medidas. Também sinaliza que o governo dificilmente levará sua queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC).

A utilização da Alca como “moeda de negociação” foi mencionada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, na Cidade do Panamá. Em sua avaliação, o governo americano transmitiu dois recados políticos nas entrelinhas do documento que determinou a aplicação das salvaguardas. A tradução de ambos poderia ser resumida em uma frase: “quanto mais próximos dos Estados Unidos, menos atingidos”.

O primeiro recado veio com a isenção dos exportadores de aço do México e do Canadá, seus parceiros na Área de Livre Comércio da América do Norte (cuja siga em inglês é Nafta). O outro, com o tratamento mais brando para os produtores da Argentina, da Venezuela e mesmo do Brasil, alguns dos principais parceiros dos Estados Unidos na Alca. Em princípio, o governo brasileiro acredita que essas negociação, que entram em etapa decisiva neste ano, poderão conter novas investidas protecionistas dos Estados Unidos em relação ao setor siderúrgico e mesmo aliviar os prejuízos que o produtor brasileiro deverá acumular.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, estimou hoje que as exportações do setor para os Estados Unidos deverão recuar em 10% a 15% neste ano, em relação aos US$ 713 milhões embarcados no ano passado. A razão está justamente nas salvaguardas americanas, que deverão anular de vez os embarques de produtos acabados – como as folhas de flandres e as chapas galvanizadas.

A estratégia brasileira de reação às medidas protecionistas, entretanto, deverá ser fechada somente a partir de hoje, com o retorno a Brasília do presidente Fernando Henrique Cardoso e de Lafer. Em princípio, o governo avalia que dificilmente a medida de salvaguarda seria considerada legal por um comitê de arbitragem da OMC.

Ao conceder tratamento diferenciado ao Canadá e ao México, os Estados Unidos descumpriram a “claúsula da nação mais favorecida”, que é a regra máxima da organização. Os cálculos, por sua vez, não comprovam claramente que houve o dano aos fabricantes americanos de aço provocado pelo aumento expressivo das importações – a norma básica do Acordo de Salvaguardas da OMC. “O governo brasileiro condena as medidas porque não foram tomadas com justificativas à luz da OMC”, resumiu Amaral. “Mas ainda não há uma decisão final sobre o rumo que seguiremos.”

Apesar da suposta fragilidade legal da medida americana, o governo e o setor siderúrgico avaliam que o caminho da Alca – ou mesmo das negociações bilaterais – poderá trazer resultados mais positivos e de curto prazo para o País. A relação de custo-benefício de uma investida na OMC ainda está sob análise, mas os especialistas alertam que as controvérsias tendem a se prolongar por pelo menos dois anos e a não trazer resultados práticos.

Primeiro, porque qualquer demanda à organização implica custos elevados com contratação de advogados e consultores especializados, com viagens etc., que normalmente reacem sobre o setor. Segundo, porque a indústria nacional foi parcialmente atendida. Ao definir uma cota tarifária de 2,5 milhões de toneladas métricas para este ano às importações de semi-acabados brasileiros, o governo americano permitiu um aumento desses desembarques de 19,0%, em relação a 2001, de acordo com dados apresentados por Amaral. “O Brasil foi bastante menos atingido que outros países”, completou.

Denise Crispim Marin e Tânia Monteiro