Os efeitos do desenvolvimento proporcionado pela expansão do comércio internacional não têm sido democraticamente distribuídos entre os diferentes países. De acordo com relatório 2002 divulgado ontem pela Confederação das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), apenas alguns países em desenvolvimento estão conseguindo realmente tirar proveito de todos os benefícios gerados pelo aumento na participação das exportações mundial de produtos industrializados, incluindo de alta tecnologia.
O Brasil e a Argentina não integram esse seleto grupo. No caso brasileiro, o país manteve estagnada sua participação no comércio mundial, entre as décadas de 80 e 90.
“É preciso examinar onde está acontecendo o verdadeiro desenvolvimento do comércio internacional. Esse é o desafio que precisa ser corajosamente enfrentado”, afirmou o secretário-geral da Unctad, o brasileiro Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda.
Já países como Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan estão conseguindo aumentar sua participação no mercado de manufaturados, aumentando a renda da população, reduzindo a necessidade de produtos importados e expandindo o mercado local.
Ricupero, que detalhou o relatório através de videoconferência, de Genebra, mostrou alguns dados que ilustram esse cenário. Os países mais ricos – os desenvolvidos – tiveram a participação nas exportações globais de produtos manufaturados diminuída de 82,3% em 1980 para 70,9% em 1997. Porém, em contrapartida, cresceu, mais ou menos na mesma proporção, a participação no mercado do que os economistas chamam de valor agregado: produtos mais sofisticados, que costumam gerar mais divisas e que, por isso, impulsionam o desenvolvimento. A fatia saiu de 64,5% em 1980 para 73,3% em 1997.
Montadoras – O principal problema, explica o relatório, é que alguns países em desenvolvimento trocam produtos agrícolas por alguns industrializados, até sofisticados, como peças para computadores. Mas, na verdade, esses países apenas participam da montagem do produto final, com muitas peças importadas. De acordo com o relatório, a etiqueta de alta tecnologia sobre as exportações dos países em desenvolvimento nessas redes é enganosa.
“É importante ter uma forte base nacional de empresas e tecnologia, com profissionais capacitados e laboratórios próprios”, complementou o embaixador Ricupero. O Brasil estacionou na posição de 0,7% do comércio mundial de manufaturas de 1980 a 1997. Pior: andou na direção contrária, no mercado de produtos que geram desenvolvimento. Sua participação de 2,9% para 2,7%.
“O modelo brasileiro está em xeque. É isso o que precisará ser discutido pelo próximo governo”, avaliou o economista Nélson Le Cocq. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luiz Carlos Prado, observou que a excessiva dependência de capitais externos e a baixa presença de produtos brasileiros na pauta dos itens chamados dinâmicos são outros ingredientes que dificultam o cenário nacional. No segmento de bebidas leves, por exemplo, dominado pelo café, não é controlado pelo Brasil. “Pode parecer que somos grandes no comércio internacional de agroindústria, mas não somos tão atuantes no cenário global como imaginamos”, explicou Prado.
O relatório 2002 da Unctad traz inda dados gerais sobre o comércio internacional. Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos provocaram uma queda n economia americana – locomotiva do crescimento mundial- o que resultou em uma redução no comércio internacional: após um crescimento de 14% em 2000, o volume de exportações dos países em desenvolvimento cresceu menos de 1% no ano passado.
SÔNIA ARARIPE