O surto de coronavírus é, antes de tudo, uma tragédia humana, afetando centenas de milhares de pessoas. Além disso, causa crescente impacto na economia global. O objetivo desse artigo é fornecer aos líderes empresariais uma perspectiva da situação e as implicações nos seus negócios. Devido à dinâmica evolução do surto, boa parte do que comentarmos aqui poderá ficar desatualizado prontamente.
A origem do surto foi identificada na China. E, desde a segunda quinzena de fevereiro, 74 países relataram ocorrências. O surto está mais concentrado em quatro regiões de transmissão: China (centrado em Hubei), leste da Ásia (na Coréia do Sul e no Japão), Oriente Médio (no Irã) e Europa Ocidental (na Itália). No total, os países mais afetados representam quase 40% da economia global. Os movimentos diários das pessoas e o grande número de conexões pessoais dentro desses complexos de transmissão tornam improvável que o Coronavírus/Covid-19 possa ser contido.
Apesar da gradual estabilização do surto na China, com a implementação de medidas extraordinárias de saúde pública, novos casos também estão surgindo em outros lugares, incluindo América Latina (Brasil, México, Colômbia, Chile, Argentina, Peru, Equador e República Dominicana), Estados Unidos (Califórnia, Oregon e Washington) e África (Argélia e Nigéria).
As perspectivas, segundo especialistas, são de crescimento de novos casos. Com isso, a confiança do consumidor, especialmente a partir dos grandes centros globais acima citados, pode diminuir e ser ainda mais enfraquecida pelas restrições e limites de viagens onde incluam concentrações humanas. Há possibilidades de que a China se recupere do surto primeiro, mas o impacto global será sentido por muito mais tempo. Especialistas indicam desaceleração do crescimento global para 2020.
Impacto econômico
As perspectivas indicam que haverá redução de 0,3 a 0,7 pontos percentuais no crescimento global do PIB para 2020 (o crescimento global estimado pelo Banco Mundial seria de 2,5% em 2020). Enquanto isso, a China continuaria seu caminho para a recuperação, alcançando um reinício econômico quase completo em meados do segundo trimestre (apesar dos desafios atuais de permissões lentas e falta de capacidade de trabalhadores migrantes). Considerando que outras regiões do planeta seguem experimentando contínuo crescimento de casos do Covid-19, é provável que restrições de mobilização sejam impostas para tentar parar ou retardar a progressão da doença. Com isso vemos a caminho a redução na demanda e, por consequência, o crescimento econômico no segundo e no terceiro trimestre. A recuperação da demanda dependerá de uma desaceleração do crescimento de casos, cuja causa mais provável seria a “sazonalidade” – uma redução nas transmissões semelhantes à observada com a gripe no hemisfério norte à medida que o clima esquenta. A demanda também pode retornar se a taxa de fatalidade da doença for muito menor do que estamos vendo atualmente.
As regiões que ainda não tiveram um rápido crescimento de casos (como as Américas) têm cada vez mais probabilidade de sofrer com a transmissão do vírus nos próximos meses.
Maior conhecimento do Covid-19, mais tempo adicional para a preparação, podem ajudar esses complexos a gerenciar o crescimento de casos. No entanto, países e regiões com sistemas de saúde menos robustos podem ser mais impactados pelo surto. Em consequência, a demanda menor pode desacelerar o crescimento da economia global entre 1,8% e 2,2%, em vez dos 2,5% previstos no início do ano.
Os setores da economia podem ser afetados em diferentes graus. Aviação, turismo e hospitalidade podem perder sua demanda perdida (quando os clientes optam por não comer em um restaurante, essas refeições permanecem sem comer). Essa demanda é, em grande parte, irrecuperável. Alguns setores podem sofrer atrasos em suas demandas. Bens de consumo, por exemplo. Os clientes podem adiar gastos por conta da preocupação com o surto e tendem a deixar para mais tarde o retorno ao seu consumo, até que recuperem a confiança. Países e regiões afetadas pelos choques de demanda acima serão atingidos por um crescimento econômico muito menor.
Independente dos cenários mencionados, vemos redução da demanda do consumidor e as empresas terão que enfrentar os desafios em suas cadeias de suprimentos ou abastecimentos.
Atualmente vemos que empresas com equipes de compras fortes e centralizadas e boas relações com fornecedores na China estão mais confiantes em sua compreensão dos riscos que esses fornecedores enfrentam. Outros ainda estão lutando com sua exposição de fornecimento com a China e em outras regiões de transmissão. Dado o relativamente rápido reinício econômico no país asiático, muitas empresas se concentrarão em medidas temporárias de estabilização, em vez de retirar as ou mudar cadeias de suprimentos da China.
Como navegar nesse cenário de incertezas?
Algumas ações podem ajudar as empresas:
Proteja seus funcionários. A crise do Covid-19 tem sido emocionalmente desafiadora para muitas pessoas, mudando suas rotinas diárias de maneira sem precedentes. O ritmo dos negócios também não é o mesmo para as empresas. A sugestão seria de que os líderes comecem a elaborar e executar um plano a fim de ajudar seus colaboradores na aplicação de políticas de prevenção e cuidados à eminência do surto.
Organize um grupo de resposta multifuncional do Covid-19. Inclusive entidades de classe – associações empresarias etc., poderiam colaborar na troca de informações e comparar os esforços e práticas entre empresas de seu setor, região etc., a fim de disseminar ao máximo a cultura da preservação e cuidados adequados a saúde dos seus colaboradores. Caberia também aos líderes se comunicarem com a máxima frequência com seus colaboradores e buscar formar equipes multifuncionais e aplicando monitoramento diário dos avanços e pontos de observações detectados sobre suas rotinas em relação ao surto.
Pontos de análise considerados por empresas em vários países, atualmente: a) saúde, bem-estar e capacidade dos colaboradores para desempenhar suas funções; b) teste de estresse financeiro e desenvolvimento de um plano de contingência; c) monitoramento da cadeia de suprimentos, resposta rápida e resiliência a longo prazo; d) respostas de marketing e vendas a choques de demanda; e e) coordenação e comunicação entre líderes e colaboradores envolvidos.
Garanta que a liquidez seja suficiente para resistir à tempestade. As empresas precisam definir cenários adaptados aos seus contextos. Para as variáveis críticas que podem afetar receitas e custos, elas podem definir números de entrada por meio de análises e informações de especialistas. Importante que se modelem seus dados financeiros (fluxo de caixa, P&L, balanço patrimonial) em cada cenário e se identifiquem gatilhos que possam afetar a liquidez. Para cada um desses gatilhos, as empresas devem definir movimentos para estabilizar a organização em cada cenário (otimização de contas a pagar e receber; redução de custos; desinvestimentos e fusões e aquisições).
Estabilize a cadeia de suprimentos. As empresas precisam definir a extensão e a duração provável de sua exposição internacional na cadeia de suprimentos às áreas e regiões que estão sofrendo com a transmissão do vírus, incluindo fornecedores de níveis 1, -2 e -3 e níveis de estoque. Muitas empresas estão focadas no cenário de estabilização imediata, uma vez que a maioria das fábricas chinesas estão voltando as suas operações. Também requer-se considerar o racionamento de peças críticas, a pré-reserva da capacidade terrestre e/ou de transporte aéreo, usando o estoque pós-venda como uma ponte até o reinício da produção, ganhando maior prioridade de seus fornecedores e, é claro, apoiando a reinicialização deles. Importante também começar a planejar como gerenciar o suprimento de produtos que possam sofrer picos incomuns na demanda devido ao armazenamento, à medida que o suprimento se estabilize. Em alguns casos, a estabilização de médio ou longo prazos podem ser necessária, o que exige atualizações para o planejamento da demanda, maior otimização da rede e busca e aceleração da qualificação de novos fornecedores. De qualquer forma, muito importante a postura de resiliência em sua cadeia de abastecimento, já que o cenário é incerto diante desse surto.
Fique perto de seus clientes. As empresas que enfrentam melhor as interrupções são bem-sucedidas porque investem em seus principais nichos e se antecipam seus comportamentos de compra de seus clientes. Na China, por exemplo, enquanto a demanda do consumidor diminui, na verdade ela não desapareceu; as pessoas mudaram dramaticamente para as compras on-line de todos os tipos de bens, incluindo alimentos e entrega de produtos. As empresas devem investir on-line como parte de seus esforços para a distribuição omnichannel (**); isso inclui garantir a qualidade dos produtos vendidos on-line.
Pratique o plano. Vivemos um momento raro em nossa economia, onde, por falta de uma visão clara ao risco de uma “interrupção” como essa poderia causar tamanho impacto em nossos negócios e nossas vidas, o que nos impõe a extrema necessidade de planejar os passos de um negócio. Trabalhar com simulações, mesas de planejamento, definir e gerenciar cada fase (planejamento de contingência etc.). Definir ações, responsáveis e garantir que as funções de cada membro da equipe principal sejam claras, estimar os prováveis percalços que possam retardar a resposta e garantir as ações necessárias para executar o plano sejam compreendidas e o investimento necessário esteja disponível.
Demonstre propósito. As empresas têm um papel crítico na sociedade as quais fazem parte e precisam descobrir como ajudar nos esforços de resposta à situação que vivemos – por exemplo, fornecendo recursos financeiros, materiais e conhecimentos. Há exemplos de empresas que mudaram a produção para produzir e distribuir máscaras e roupas médicas etc.
A crise do coronavírus é uma história com um final incerto. Sabemos que o impacto humano já é trágico, além de que as empresas têm um imperativo de agir imediatamente para proteger seus funcionários, enfrentar os desafios e riscos dos negócios e ajudar a mitigar o surto da melhor maneira possível.
**Omnichannel é uma tendência do varejo que se baseia na convergência de todos os canais utilizados por uma empresa. Trata-se da possibilidade de fazer com que o consumidor não veja diferença entre o mundo online e o offline. O omnichannel integra lojas físicas, virtuais e compradores.
O texto foi elaborado sobre pesquisa de dados da Organização Mundial de Saúde, Banco Mundial e de recente estudo da consultoria McKinsey Institute.
Jose Vitorelli é vice-presidente de Comércio Exterior da ACE-Guarulhos e coordenador de Comércio Exterior do CIESP Guarulhos