Crise brasileira poderá contagiar emergentes
O FMI está alertando que o agravamento da crise brasileira poderá causar um contágio em outros mercados emergentes. No relatório de estabilidade financeira global, divulgado hoje, a instituição qualificou como “críticos” os acontecimentos no Brasil. “Uma maior deterioração no sentimento em relação ao Brasil poderia ser sentida de uma forma mais ampla, especialmente pelo fato de as preocupações dos investidores sobre continuidade política e sustentabilidade da dívida atingirem um número de países emergentes.”
O FMI salientou que a perspectiva para os mercados emergentes continua ofuscada pelos temores dos investidores, embora não tenha ocorrido uma venda generalizada dos ativos desses países. O relatório observa que “há indicações de que os investidores e credores continuam discriminando suas decisões”, optando por ativos de menores risco.
Mitigantes
Houve também uma melhora nas condições técnicas dos mercados emergentes, pois os investidores reduziram as exposições e elevaram as posições de liquidez. “Entretanto, esses fatores técnicos mitigantes são insuficientes para alterar o sentimento do investidor”, diz o relatório.
O FMI afirma que os fluxos de capitais para os emergentes permanecerão reduzidos “até que a aversão ao risco global seja revertida e as incertezas sobre a continuidade política em países considerados fundamentais declinem”.
O relatório destaca que “os acontecimentos do último trimestre reforçam a importância da implementação consistente de medidas de ajuste e políticas prudentes de administração da dívida como meios para aliviar a turbulência do mercado”.
Menos dependência
Segundo FMI, “essa continuidade política é especialmente crítica para países dependentes do acesso permanente” aos mercados de capitais internacionais. “Em termos mais gerais, os recentes acontecimentos apontam para a importância de se evitar a dependência dos setores privado e público nos fluxos de capitais externos, que estão sujeitos a mudanças de curto prazo, além da necessidade de se usar com habilidade os períodos favoráveis aos financiamentos”.
O FMI diz que surgiram no final do segundo trimestre deste ano “sinais de contágio” entre os mercados emergentes, cujos títulos soberanos “ficaram mais correlacionados com os acontecimentos no Brasil, embora menos do que em crises passadas”.
Segundo o Fundo, o acesso positivo aos mercados internacionais registrado no início desse ano foi parcialmente revertido. “Os mercados primários ficaram efetivamente fechados para os emissores na América Latina, a menos que eles oferecessem estímulos de retornos”. O FMI observa que os emissores da Ásia, Leste Europeu e Oriente Médio mantiveram o acesso ao mercado. “Como os países emergentes pré-financiaram ativamente seus programas de empréstimos, as corporações latino-americanas são as mais vulneráveis ao prolongado fechamento do mercado”, diz o relatório.
Bancos
O FMI alerta que há “um risco de que os empréstimos bancários poderão ser reduzidos no Brasil” e nos mercados emergentes em geral, inclusive em países atualmente considerados como ´portos seguros´, como o México. “A alta concentração de empréstimos num relativamente pequeno número de instituições indica vulnerabilidades também em países considerados como portos seguros”, disse o relatório.
O FMI afirma que a exemplo das crises registradas na década de 90, “as dinâmicas adversas da dívida, acima de tudo, se tornaram um tema fundamental para o Brasil” e, em menor extensão, para a Turquia. “Após um breve período de contágio gerado no Brasil em meados de junho, os investidores estão avaliando a vulnerabilidade dos mercados emergentes em geral”, disse. “Três canais potenciais de contágio são considerados: um recuo nos empréstimos além-fronteiras, fluxos comerciais e o setor financeiro.”
Segundo o Fundo, ao longo dos últimos anos, os bancos vêm aumentando as operações globais, parcialmente através de investimentos acionários diretos em mercados emergentes. Como as plataformas de negócios foram ampliadas, os riscos também foram diversificados. “Mas a avaliação dos riscos, entretanto, tende a ser conduzida com base em critérios amplos”, afirma o relatório.
Aversão ao risco
Esse comportamento, segundo o FMI, faz com que em épocas de elevada aversão ao risco os mercados emergentes fiquem mais expostos e os bancos podem decidir recuar desses países num movimento em bloco, “sem necessariamente levar sempre em conta as circunstâncias dos mercados individuais”. “Essas decisões tendem a ser tomadas com base na exposição total dos bancos, não discriminando se essa exposição foi construída via suas operações locais ou através dos principais centros financeiros.”
O FMI afirma que a exposição dos bancos estrangeiros no Brasil é “grande” – US$ 142 bilhões – e “relativamente concentrada”. Os bancos norte-americanos fornecem US$ 34 bilhões em financiamentos de curto e longo prazo ao País. Os quatro maiores credores europeus fornecem US$ 68 bilhões. São eles a Espanha (US$ 18 bilhões), o Reino Unido (US$ 11,1 bilhões), a Holanda (US$ 10,7 bilhões) e a Alemanha (US$ 7,7 bilhões).
“Há um risco de problema de rolagem desses empréstimos no Brasil e nos mercados emergentes em geral, incluindo os portos seguros”, diz o FMI. “Um recuo potencial dos empréstimos dos Estados Unidos poderia afetar negativamente o México e a Província de Taiwan da China, pois ambos levantaram mais de 30% de seus financiamentos bancários externos nos Estados Unidos.”
Forte impacto
Além disso, o México captou 40% do financiamento bancário da Espanha, “ressaltando o risco de uma redução de recursos dessa fonte”. FMI afirma que um amplo recuo entre os credores europeus teria um forte impacto na América Latina e também nos países do leste europeu. Segundo o relatório, governos e empresas de países com padrões de dívida similares aos do Brasil “poderiam também sofrer com o recuo potencial dos empréstimos bancários.”
Ao analisar os riscos de contágio entre os mercados emergentes, o FMI afirma que isso poderia ocorrer através do redirecionamento dos fluxos de comércio. “Fortes movimentos nas taxas de câmbio e o subsequente redirecionamento de fluxos de comércio poderiam também atuar como canais de contágio, embora eles mostraram ser menos importantes nas crises da década de 90”, diz o Fundo. “Muitos países emergentes continuaram a ter posições confortáveis em suas contas correntes e os riscos de um contágio comercial são bem menores do que o do contágio financeiro.”
Entretanto, o FMI observa que as contas correntes de vários países demonstram vulnerabilidade, entre eles, Indonésia, Tailândia e Malásia, “onde os exportadores poderão enfrentar competição do Brasil em outros mercados”. Na América Latina, o México também poderia ser prejudicado, embora menos.
O FMI destaca que a dolarização dos balanços do setor financeiro provoca riscos sistêmicos e também é um canal potencial de contágio. Como exemplo, citou a corrida aos depósitos bancários no Uruguai e Paraguai, após a crise argentina. Mas o Fundo salienta que a dolarização é pequena no Brasil e no México e os países latino-americano que exibem essa característica possuem economias pequenas. “Isso sugere que os riscos sistêmicos associados à dolarização se manifestam mais como resultado de uma crise do que como sua causa potencial, como foi o caso do Paraguai e Uruguai.”
João Caminoto