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FMI aprova substituição de importações

O Brasil deve continuar a abertura gradual de sua economia com o objetivo de tornar a indústria mais competitiva e reduzir a vulnerabilidade financeira externa, mesmo que os países industralizados não façam o movimento recíproco. A substituição de importações pode perfeitamente ser parte de um processo de ganho de eficiência e competitividade, se for guiada pelas forças do mercado.

Os dois argumentos foram apresentados, nesta terça-feira, por economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) durante entrevista sobre estudo a respeito do número desproporcional de crises financeiras externas que ocorrem na América Latina em comparação com outras partes do mundo.

Trata-se de uma de três análises sobre temas específicos incluídas no relatório semestral Perspectivas da Economia Mundial, que será divulgado na próxima semana, antes da reunião de primavera da organização.

Eficiência

“Mesmo nas economias abertas, a substituição de importações ocorre o tempo todo”, disse David Robinson, conselheiro-sênior do departamento de Pesquisa do FMI. “As indústrias mudam, e você pode ter, nos Estados Unidos, por exemplo, uma indústria mais eficiente que abre e desloca um produto que era antes importado”, explicou. “Ninguém pode descartar a substituição de importação como um processo de mercado”.

Robinson respondia a uma pergunta sobre a tese do candidato do PSDB à presidência da República, senador José Serra, a respeito do papel positivo que a substituição de exportações competitiva pode ter para a economia brasileira.

Ele enfatizou que a afirmação não deve ser interpretada como endosso à posição do candidato tucano ao Planalto. “É muito difícil para mim comentar porque não conheço os detalhes e não sei como o senador Serra pretende fazer para (tornar) a substituição de importações competitiva”, disse.

Três razões

Mesmo com a ressalva, a afirmação de Robinson é significativa, porque contribui para desmistificar o tema, especialmente à luz das três razões que o estudo do FMI aponta para explicar a vulnerabilidade da América Latina às crises de endividamento externo: as economias da América Latina são, com poucas exceções, relativamente fechadas; elas também estão sujeitas a uma maior volatidade do que em outras partes; e exibem baixas taxas de poupança e mercados de capitais subdesenvolvidos.

O estudo do FMI começa por constatar que as exportações da América Latina não apenas representam uma proporção bastante pequena do Produto Interno Bruto, como essa relação não tem melhorado. Para a região como um todo, ela se manteve praticamente inalterada nos anos 80 (27,49%) e 90 (27,75%).

No caso do Brasil, a relação piorou, passando de 10,10%, na “década perdida” dos 80, para 9,04%, nos anos 90. Em comparação, os mesmos números para a Ásia foram 66,71% e 79,9% – ou de 35,34% e 49,86%, quando se excluem Hong Kong e Cingapura.

Volatilidade

“Isso é importante porque, quando você olha para o fardo da dívida externa, vê que ele não é tão grande como proporção da renda nacional”, disse Robinson. “Mas é grande quando comparado com as exportações, o que torna mais difícil pagar o serviço da dívida.”

Quanto à volatilidade, em parte ela tem origem externa e deriva dos termos das trocas comerciais. Mas outra parte é induzida pelas políticas domésticas.

Também em contraste com outras regiões, a maior parte da dívida da América Latina está concentrada no setor público e é denominada em moeda estrangeira. (O Brasil, neste particular, é uma exceção, pois dois terços da dívida pública são denominados em reais.)

Assim, embora o total da dívida externa da região seja apenas uma fração do PIB, quando comparado com outras regiões, a relação entre a dívida externa pública é relativamente alta, tanto como proporção do PIB como do endividamento total.

Como a receita do governo é em moeda local, e as obrigações externas em moeda estrangeira, “não supreende que as crises da dívida externa da região tenha estado associadas com variações importantes na taxa de câmbio e, em particular, com desvalorizações”, diz o estudo do Fundo.

Endividamento

O perfil do endividamento complica também o administração da política fiscal, que, também em contraste com outras regiões, tende a funcionar em paralelo com os ciclos econômicos, ou seja, nos tempos de crescimento, o Estado gasta mais, e o déficit aumenta, quando deveria diminuir. Isto deixa os governo da região sem a arma do estímulo fiscal para enfrentar as recessões.

“A baixa taxa de poupança e o subdesenvolvimento do mercado de capitais leva o país a depender mais da poupança externa, daí o problema da dívida”, disse Robinson. A conclusão do estudo é que esses três fatores exacerbaram o problema do endividamento externo e precisam ser trabalhados pelos governos da região.

Exportações

No caso do Brasil, “uma coisa importante é aumentar a proporção das exportações em relação ao PIB, pois isso reduziria a relação dívida/exportações”, disse Robinson.

Como fazê-lo? “Não sou especialista em Brasil, mas, claramente, uma maneira de fazer isso é diminuir as restrições ao comércio no Brasil (…) o que não significa remover todas as tarifas e restrições ao comércio da noite para o dia, mas fazê-lo de acordo com um programa que as reduza gradualmente”, disse o economista.

Barreiras

A outra parte, que não está sob controle do país, é reduzir as barreiras às suas exportações. Neste particular, Robinson disse que “as restrições que os EUA impôs ao aço são lamentáveis e que os países industrializados precisam pôr-se em ordem” numa negociação efetiva de redução de barreiras no processo iniciado na reunião da Organização Mundial de Comércio, em Doha, em novembro passado.

Mas não seria perigoso para o Brasil continuar a abrir, se os países industrializados, que são os maiores mercados, não fizerem o mesmo? “Um economista inglês, John Robinson, disse há muito tempo que você não deve colocar pedras no seu jardim só porque os outros estão colocando pedras no jardins deles”, respondeu o conselheiro do FMI.

“Uma maior abertura seria melhor para o Brasil, porque tornaria as companhias brasileiras mais eficientes e daria ao país um grau mais elevado de integração com o resto do mundo – um benefício que ajudaria na questão da dívida.”

Paulo Sotero

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