Governo decreta estado de sítio; argentinos saqueiam o comércio
O governo da Argentina decretou ontem estado de sítio por 30 dias em todo o país. O Congresso aprovou a medida em votação simbólica no final de um dia em que milhares de argentinos saquearam mais de cem lojas e supermercados em 19 cidades da Grande Buenos Aires e em seis Províncias. A revolta explodiu na madrugada de ontem e continuou até a noite. Cinco pessoas foram mortas, quatro por comerciantes saqueados e uma pela polícia. Foi a maior convulsão social desde 1989, quando uma onda de saques e a hiperinflação fizeram Raúl Alfonsín deixar a Presidência antes do fim do mandato. É o quarto estado de sítio desde a volta da democracia, em 83.
Em Buenos Aires, manifestantes atiraram paralelepípedos e ovos no carro do presidente Fernando de la Rúa, que entrava no edifício onde haveria uma reunião de emergência do ministério.
No final da tarde, De la Rúa esteva reunido com os comandantes das Forças Armadas. Durante o dia, negociou a cabeça de Cavallo, a fim de obter apoio político. O partido do presidente, a UCR, pediu a renúncia do gabinete.
Às 22h40 (23h40 de Brasília), De la Rúa anunciou na TV o estado de sítio. Falou por dois minutos. “Grupos inimigos aproveitaram para disseminar discórdias, para chegarem a fins que não alcançaram pela via eleitoral. Sei distinguir entre os necessitados e os que aproveitam o momento para disseminar o caos”, disse.
Polícia
A prefeitura de Córdoba, segunda cidade mais importante do país, foi depredada e incendiada. Em La Plata, capital da Província de Buenos Aires, cerca de 2.000 servidores públicos entraram em choque com a polícia. Em Buenos Aires, os policiais se limitaram a dispersar multidões com bombas de gás lacrimogêneo. Por precaução, o comércio do centro da cidade fechou as portas.
No entanto a repressão policial foi pequena. Os 35 mil homens da Polícia Federal receberam ordens para permanecer nos quartéis, assim como as Forças Armadas.
A onda de saques aparentemente não obedecia a um comando centralizado, apesar de os ataques obedecerem a um padrão. Uma multidão, sempre composta de muitas mulheres e crianças, começava a pedir comida diante dos mercados. Em seguida, ocorriam as invasões. Muitos saques ocorreram na periferia das cidades, perto de “villas miseria” (favelas). Os saques haviam começado na sexta-feira, mas menos de 30 ataques haviam ocorrido até ontem.
O país está em recessão há três anos e sete meses. A economia deve encolher entre 3% e 4% neste ano. O desemprego afeta 18,3% da população e 14 milhões dos 36 milhões dos argentinos são pobres. A fim de manter a política em que um dólar vale um peso, o governo recorreu ao FMI, que exigiu cortes de gastos públicos. Benefícios sociais, salários de servidores e aposentadorias foram reduzidos, o que agravou a recessão e provocou crescente revolta.