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Um Ato de Coragem

Guarulhos, 31 de maio de 2002

arteDenzel Washington (Oscar de melhor ator por “Dia de Treinamento”) é John, pai de família norte-americana com dificuldades financeiras. Dentro do país pode ser considerado de classe baixa: trabalha em fábrica, tem contas demais para pagar e sustenta como pode a mulher e o filho. São poucos luxos, não consegue manter o segundo carro, da esposa, nem arrumar um segundo emprego.

Durante jogo de beisebol seu filho desmaia ao correr. John, que possui seguro saúde, leva o garoto em grande hospital. Internado, eis que vem o relato, dado pela gerente do hospital (Anne Heche) e seu principal cirurgião (James Woods): sem transplante não há como o filho de John sobreviver.

Ele e a mulher decidem pela operação, que é arriscada. O momento é difícil: o tratamento do garoto é caro, a lista de doadores é grande e, para piorar, seu seguro não cobre a operação.

O operário bem que busca a ajuda de instituições e do governo, mas todas as portas parecem fechadas. Com a ajuda dos amigos vai pagando a internação de seu filho, cuja situação é cada vez mais delicada.

Na súbita possibilidade da expulsão do garoto da instituição, John invade o hospital durante um feriado e prende no pronto-socorro alguns médicos, pacientes, e o bem pago cirurgião principal do local. Quer o filho na lista de doadores.

O local é cercado tanto por policiais quanto jornalistas. A situação é esmiuçada pela mídia com estardalhaço. Robert Duvall é o policial veterano (e pouco respeitado pelos colegas) que negocia com John. Ray Liotta é o superior de Duvall, que aproveita a situação para garantir sua popularidade.

Trabalhar em cima do “o que você faria?” é algo comum em Hollywood e em diversas tramas. A hipótese ganha força quando a questão é abrangente, visceral, comum, intrigante e ameaçadora. Bem realizada, cria discussões relevantes e interessantes. “Um Ato de Coragem” funciona em cima dessa questão ao lado de fatores sociais, amor de pai e filho e saúde. O que você faria se fosse seu filho? Até que ponto o sistema é justo?

Não é difícil se sensibilizar com as dificuldades enfrentadas por John, mas sua situação é privilegiada se comparada ao nosso sistema de saúde. Quantas vezes você foi recebido pelo diretor de um hospital? O que pensar de um pai que não arruma um segundo emprego quando 20% da população do país mal consegue arrumar um primeiro?

Talvez este seja o principal ponto de “Um Ato de Coragem”. Ver que até mesmo no bem-sucedido “grande irmão” lá de cima há a segregação financeira e dificuldades. E que o sofrimento humano é universal. John pode ser um herói norte-americano, mas luta contra o mesmo sistema que o criou. Frente à vida não há o valor dos cifrões, ou não deveria haver. O único valor que importa é o do espírito humano. Essa idéia é reafirmada ao final, quando se explica a primeira cena do filme.

A direção de Nick Cassavetes (filho de John Cassavetes, diretor de “Glória”) se perde em alguns momentos (na tentativa de incorporar temas demais, como a velhice de Duvall e o show da mídia), mas no geral é competente. Ainda não é Costa-Gavras (diretor de, entre outros, “O Quarto Poder”). Faz o suficiente para que Duvall e Washington, tarimbados, sejam igualmente competentes. Heche e Woods estão exagerados, mas tendem a trabalhar assim. Há suspense, ação, e muitas lágrimas. Não chega a ser inesquecível, mas tem grande valor para ser utilizado, por exemplo, em escolas.

Igor Kupstas